sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Você está convidado para uma festa num porão obscuro de Nova York



Estados Unidos da América. Anos 20. Evie O’Neill, uma garota de uma abastada família do interior, sonha com o glamour e a fama dos palcos do Ziegfield Follies e das telas de cinema. A sorte parece sorrir para ela quando se envolve em uma confusão em sua cidade natal por conta de um poder sobrenatural que deve ser mantido a sete chaves, o que motiva seus pais a fazerem justamente o que ela queria: mandá-la para a cidade grande. Evie vai passar uns tempos com seu tio Will em Nova York, até a poeira baixar em casa. Mas, ela logo vai perceber que nem tudo são flores...

Will é o curador-responsável pelo Museu do Folclore Americano, Superstição e Ocultismo, também conhecido como “Museu dos Insetos Rastejantes”, apelido que, por si só, dá uma ideia do quão entediante esse mundo vai parecer para Evie. Além disso, NY é uma cidade muito maior do que aquela com a qual ela estava acostumada e, atrelado a isso, vem não só as vantagens, como os shows do Ziegfield na Broadway e as festas regadas a álcool escondidas nos porões da cidade, que Evie tanto gosta. NY é, também, cheia de trombadinhas e charlatões querendo se dar bem em cima dos outros. Mesmo assim, ninguém esperava (muito menos a inocente Evie) que uma série de assassinatos baseados em magia negra e ocultismo fossem começar a acontecer. E ninguém melhor do que o chefe do único museu (da cidade) especializado nesse assunto para solucioná-los, não é mesmo?

Os Videntes é um livro envolvente. Libba Bray consegue criar uma teia de mistério e suspense envolvendo esses assassinatos e o sobrenatural. Os crimes vêm acompanhados de bilhetes e símbolos enigmáticos, que deixam claro que não se tratam de homicídios quaisquer. Além do mais, os requintes de crueldade (tanto do assassino quanto de Libba, que descreve tudo nos mínimos detalhes), me deixaram curiosa e amedrontada. Às eu estava lendo o livro à noite e tinha que parar e deixar pro dia seguinte por medo de ter pesadelos (embora não quisesse largá-lo por nada, visto que eu precisava MUITO saber o que ia acontecer). Embora a trilogia Gemma Doyle, trabalho anterior da autora, também flertasse com o sobrenatural e o macabro, nada me preparou para o que veio nessa.

Mas, Libba conseguiu balancear esse peso com a atmosfera da década de 1920, com suas melindrosas, jazz e festas a lá Gatsby. A autora reconstrói a NY daquela época nos mínimos detalhes, nos transportando para aquele tempo. Algo que eu achei interessantíssimo foram as diferentes faces da cidade e classes sociais exploradas por Libba. De um lado os ricos e abastados que frequentavam o Follies e os bares dos porões; e de outro, os mais humildes, que moravam na periferia e eram os empregados e funcionários dos locais frequentados pela elite. Temos ainda uma comunidade de fanáticos religiosos, os comunistas, os imigrantes, o começo de Chinatown e por aí vai... Os EUA e, consequentemente NY, não eram ainda a potência que são hoje, embora o pós-guerra (época do livro) tenha sido um dos momentos cruciais para o crescimento do país, e isso é muito bem retratado aqui.

No decorrer do livro somos apresentados não só aos dons de Evie, mas também aos de Theta, Memphis Campbell, Sam Lloyd, entre outros. Todos têm poderes sobrenaturais e, de uma maneira ou de outra, se veem ligados aos casos de assassinato, que também lidam com o sobrenatural. Isso me remeteu a algo tratado num livro que li há muito tempo, chamado Kiki Strike e a Cidade das Sombras, que lida com a premissa de que existe uma NY escondida (nesse caso, uma outra NY literalmente embaixo de Manhattan). Todas essas pessoas tentando esconder seus poderes sobrenaturais me deram a impressão de que existe uma NY mais sombria e misteriosa por trás das luzes das fachadas da Broadway. 

Mas, isso foi algo que contribuiu para que eu, por vezes, ficasse um pouco cansada da leitura. O livro todo é narrado sob diferentes pontos de vista, tanto os dos protagonistas, quanto das vítimas dos crimes. O problema é que são MUITAS pessoas, tanto que eu levei um tempo para me acostumar com a narrativa e entender quem era quem. Fora que, muitas vezes, essa alternância em ponto de vista atrapalhava o fluxo de acontecimentos e descobertas importantes que tinham sido feitas em capítulos anteriores, o que fez com que eu pulasse alguns capítulos pra não perder o fio da meada. Só que: tudo isso é importante. Embora Evie seja a maior protagonista, não tem como negar que todos os outros têm papéis tão importantes quanto os dela e é por meio deles que podemos ter uma percepção ampliada da história e da cidade. 

No geral, a leitura é satisfatória. As descobertas e os mistérios vão se desenrolando rapidamente, de modo que você não quer largar o livro de jeito algum. A trama principal termina bem fechadinha, mas ainda sobram algumas arestas que, provavelmente, vão ser aparadas nos próximos livros. Os Videntes é o primeiro de uma trilogia, sendo o único lançado no Brasil, por enquanto. 

Vem dançar charlestone também!


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