sábado, 18 de fevereiro de 2017

De Guernsey, com amor



Montanha-russa. Essa é a palavra que melhor descreve esse livro, que comecei a ler assim como quem não quer nada e de repente me vi dando gargalhadas, enxugando algumas lágrimas e, acima de tudo, me apaixonando.

A Sociedade Literária e Torta de Casca de Batata é um romance epistolar. Ou seja: ele é narrado através de cartas, bilhetes e telegramas (vocês lembram que isso existe???) e eu não fazia a MÍNIMA ideia disso. Qual não foi a minha surpresa ao virar as páginas e continuar encontrando cartas atrás de cartas? Às vezes essa história de nem ler a sinopse do livro até que dá certo... A trama se passa na Inglaterra durante o pós-guerra. Os países ainda estão se recuperando da tragédia e Londres, que foi completamente bombardeada, está em escombros. É então que conhecemos Juliet Ashton, escritora que lançou uma bem sucedida coletânea de seus artigos e colunas de jornal escritos durante a guerra.

O problema é que agora ela está empacada. Nenhuma ideia é boa o suficiente, mas ela precisa escrever outro livro. Até que num belo dia, a inspiração chega em sua caixa postal. Ela recebe uma carta de um desconhecido chamado Dawsey, que adquiriu um livro que pertenceu a ela e escreveu pedindo mais informações sobre ele. Logo, Juliet descobre que Dawsey faz parte de uma sociedade literária em sua terra natal, a Ilha de Guernsey, que fica no Canal da Mancha e, mal sabe ela que aquelas cartas proverão um imenso material para seu próximo livro... Com o passar do tempo, ela começa a se corresponder com outros habitantes da ilha e com os demais membros da sociedade, o que lança luz em algo até então praticamente desconhecido por ela (e por mim): a Ocupação Alemã nas Ilhas do Canal.

As Ilhas do Canal da Mancha ficam mais próximas da França e sempre foram propriedade deste país, até serem dadas de presente à Inglaterra. Acontece que as Ilhas continuaram meio independentes do governo Inglês, então, quando elas foram invadidas pela Alemanha, os britânicos nem se mexeram para reverter a situação. Hitler queria fazer daquilo um exemplo do que ele faria com o resto do Reich e, durante anos, os soldados alemães ocuparam as Ilhas, utilizando seus recursos naturais, instituindo toque de recolher, racionamento de suprimentos etc. "Trabalhadores" (mais pra escravos), chamados de Todt, vieram de campos de concentração para trabalhar nas ilhas colocando minas, enquanto os habitantes locais deveriam fazer o que os alemães mandassem. Assim que perceberam que os Alemães estavam vindo, os ilhéus colocaram as crianças em barcos e as mandaram para a Inglaterra, onde estariam mais seguras.

No meio disso tudo, a Sociedade Literária e Torta de Casca de Batata surgiu por acaso. Dawsey e mais algumas pessoas foram comer um porco assado na casa de uma senhora chamada Amelia. Tudo deveria ser feito em sigilo, pois a comida era controlada pelos alemães e esse porco foi escondido. Tudo correu bem, mas, na volta, um grupo acabou sendo pego pelos alemães e para escapar da prisão, Elizabeth inventou que eles estavam na reunião da Sociedade Literária. Os alemães valorizavam muito as manifestações culturais e não as proibiam, na verdade até encorajavam. Então a mentira sobre a sociedade passou, mas eles precisaram ficar espertos porque logo, logo algum alemão apareceria na suposta reunião para comprovar que era verdade. Assim, todos os presentes neste pequeno jantar, começaram a procurar livros pela Ilha (não era tão fácil assim, porque quando todas as árvores foram queimadas e a lenha acabou, os livros passaram a ser queimados para aquecer as pessoas) e realmente passaram a ler e fazer reuniões, esperando o dia em que os alemães gostariam de tirar a prova.

O grupo era variado: fazendeiros, funileiros, ~bruxas~ e toda sorte de pessoas humildes com pouco ou nenhum contato com a leitura. A princípio, ler e debater parece um esforço inútil, mas com o passar do tempo eles vão se acostumando. Mais e mais pessoas vão chegando e se juntando ao grupo e logo a sociedade literária deixa de ser uma farsa e se torna realidade. A partir do momento em que as pessoas percebem que aquilo pode ser um alento em um momento tão delicado, tudo muda. A literatura salvou essas pessoas. Passando fome e frio, assistindo à crueldade dos alemães de mãos atadas, dando adeus à entes queridos e se agarrando à única válvula de escape possível no meio desse inferno na terra: os livros. Através deles, essas pessoas se mantiveram sãs e persistentes, bem como se aproximaram uns dos outros, resistindo, se apoiando umas nas outras e também nas páginas de Charles Lamb, Shakespeare e afins. Tem uma passagem que ilustra bem esse ponto, a saber:
"O modo como eu e Christian nos conhecemos pode ter sido estranho, mas nossa amizade não foi. Tenho certeza de que muitos ilhéus se tornaram amigos de alguns soldados. Mas, às vezes, penso em Charles Lamb e fico maravilhado com o fato de que um homem nascido em 1775 tenha permitido que eu me tornasse amigo de pessoas como a senhorita e Christian."

É tão bonito perceber como algo tão simples quanto um livro pode mudar a vida das pessoas. É também um tapa na cara, porque, enquanto para alguns um livro pode ser algo corriqueiro e simples (como eu mesma disse acima), quando não se tem nada, ele pode ser tudo. Essas pessoas estavam apenas sobrevivendo até encontrarem a literatura e passarem a viver realmente, viajando para lugares e tempos diferentes daquele horror em que estavam inseridos, por meio dos livros. Ao lermos suas cartas, vamos conhecendo cada uma dessas pessoas, desvendando suas histórias e segredos e percebendo como a vida de cada um foi mudada por essas obras. As autoras conseguiram nos apresentar personagens dos mais diversos, com gostos e personalidades diferentes, cada uma delas clara como o dia em suas próprias palavras. Eu só queria adotar todos eles e trocar indicações de livros. Porém, a personagem principal do livro talvez não seja uma pessoa, mas sim a própria Ilha de Guernsey. Juliet não se vê interessada somente pelas histórias dos ilhéus, o habitat natural dessas pessoas também a seduz, com suas praias, penhascos e bosques. A ilha também sofreu as consequências da guerra, tendo quase toda sua vegetação destruída e a maioria das mansões e hotéis sucateados pelo uso indevido feito pelos alemães. Mas mesmo assim, ao chegar lá, Juliet percebe que é um dos lugares mais incríveis que ela já conheceu.

É impossível não se encantar com essas pessoas e esse lugar. Ao final da leitura eu só queria fazer parte da Sociedade Literária e morar em Guernsey. Creio que todos que gostam de ler vão se identificar com essa história, que fala do poder dos livros. De como eles podem ser alento e alicerce, transformação e unificação. A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata é, acima de tudo, uma celebração da literatura. 


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Quantas calorias cabem numa revista de moda?


Livros são momentos. Depois de ler dois livros péssimos (um atrás do outro), eu precisava de algo leve, mas ainda interessante, para restaurar minha fé na humanidade e na literatura. Talvez tenha sido por isso que gostei tanto de A Modelo do Ano. Foi o momento certo de ler esse livro.

A história começa de trás pra frente, quando somos apresentados à Mac Croft, uma supermodelo que, recentemente, foi capa da Sports Illustrated, revista famosa que é um trunfo para a carreira de qualquer uma e que, basicamente, atesta que você tem um dos melhores corpos da indústria. Encontramos Mac no aeroporto, quando está prestes a embarcar na primeira classe (a convite de Calvin Klein) e é reconhecida por uma fã, que também quer ser modelo e se espelha nela. Mac responde às perguntas deslumbradas da garota, ao mesmo tempo em que pensa consigo mesma o quanto ela trabalhou para chegar até ali. E é aí que tudo começa.

Oito meses atrás, Melody Ann Croft é uma garota que acabou de terminar o colegial e trabalha como garçonete em sua pequena cidade para juntar algum dinheiro, caso a bolsa que ganhou para a Universidade da Pensilvânia acabe não acontecendo. Melody sempre foi atlética, tendo participado de torneios de tênis e sendo capaz de acabar com seus irmãos no basquete, mas o que ela realmente quer é ser uma médica ou nutricionista da área dos esportes. Até que num belo dia (ou melhor, noite), ela acaba atendendo um cliente excêntrico, que fica encantado por ela. Melody tenta despistá-lo, achando-o até um tanto inconveniente, mas tudo fica explicado quando ele se revela como um famoso fotógrafo do mundo da moda que a acha perfeita para ser modelo. Assim, ele lhe entrega alguns cartões de agências de modelo e praticamente suplica para que entre em contato com elas, podendo dizer até mesmo que foi mandada por ele.

Mas Melody é uma menina centrada e está determinada a cursar a faculdade que tanto sonha. Ela reluta um pouco, mas analisando pelo lado financeiro, até que seria bom ganhar mais algum dinheiro para custear seus estudos, não é mesmo? Logo, ela marca algumas entrevistas e vai para Nova York atrás delas. Para sua surpresa, ela é aceita logo de cara na primeira agência em que entra e em questão de dias já está indo a seu primeiro go-see. Porém, Melody sempre foi uma esportista, então nem um go-see ela sabe o que é! (é o que equivalente a audição dos atores, as modelos vão no set das fotos para ver se vão servir para aquele ensaio) Mas, chegando lá, ela acaba sendo aceita mais por falta de opção mesmo... e tem que fotografar ali mesmo. Por sorte, uma das modelos acaba se tornando sua aliada, dando dicas e toques sobre o trabalho. Aos 19 anos, Jade Bishop tem 15 de carreira, visto que foi modelo infantil e nunca mais parou (na minha cabeça ela é a Gigi Hadid e Melody é a Bella Hadid, que inclusive foi eleita a modelo do ano de 2016 #gossipgirl). E assim começa a carreira de Melody Ann Croft.

O interessante do livro é vermos o desenvolvimento de Melody e sua carreira e como ela, enfim, se torna Mac, a modelo do ano. Ela começa como uma menina ingênua que só está ali para ganhar uns trocados, mas com o tempo e a experiência, ela vai percebendo como aquele meio é fabuloso, mas ao mesmo tempo cruel. As coisas levam seu tempo pra acontecer, ela não de adapta de cara, não ama a profissão de cara. Tudo é muito natural. E nós simpatizamos com ela.

Mac é uma menina muito correta e muito centrada, determinada a se manter nos eixos e lutar por seu futuro. Nós torcemos pra que ela consiga os trabalhos, nos preocupamos com ela quando se mete em enrrascadas e sofremos com ela quando a indústria da moda se mostra menos florida do que os vestidos de primavera de Dolce & Gabanna. Claro que, ás vezes, ela deixa a desejar um pouco e eu me vi sacudindo o livro em alguns momentos pra ver se ela acordava, mas só porque me importo demais com ela #bffs. Ela contrasta muito com as outras modelos apresentadas e, principalmente com Jade, que acaba se tornando sua melhor amiga.

Jade é inconsequente, volátil, um tantinho invejosa e, infelizmente: ela é um perigo para si mesma. Mac faz o que pode para ajudar a amiga, mas como salvar alguém que não quer ser salva? A amizade delas foi, inclusive, uma das melhores partes do livro. Conforme a carreira de Mac vai avançando, ela precisa passar mais e mais tempo em Nova York e acaba buscando refúgio na casa de Jade, que mora praticamente sozinha. Vemos as duas em momentos de trabalho, mas também nas pausas para chá gelado entre um ensaio e outro, nas festas depois da Fashion Week, nas viagens a trabalho etc. É bonito de ver como cada uma é leal à outra, de seu próprio jeito, e como a amizade delas vai evoluindo, a ponto de ambas serem o que a outra tem de mais real nessa indústria louca.

Como disse anteriormente, eu precisava de uma leitura leve e, até certo ponto, A Modelo do Ano foi assim. Porém, quando o livro vai chegando em sua reta final, as coisas vão ficando mais tensas, mas foi algo tão bem construído pela narrativa, que eu não liguei. Pelo contrário, só queria devorar logo o restante pra saber no que aquilo ia dar. Devo dizer que fiquei um pouquinho decepcionada porque achei a resolução das coisas meio apressada e sem propósito. Fiquei com a impressão de que teriam cortado a autora, porque do jeito que ia, ainda dava pra elaborar mais a história e sem perder a graça. Acabou que a história ficou meio em aberto, porque juntando o final com o prólogo do começo, parece que Mac estalou os dedos e virou a nova Gisele. Não quero dar spoiler, mas fiquei especialmente incomodada com algo muito importante que simplesmente FOI ESQUECIDO NO CHURRASCO.....................

Enfim, apesar dos pesares, A Modelo do Ano é um livro delicioso, que você consegue devorar rapidamente porque os personagens são extremamente cativantes e excêntricos e a história em si é envolvente. Você vai rir, se estressar, ficar tensa e desejar desfilar as mais novas coleções da semana de moda da Itália pra ir na padaria da esquina.

PS: Será que em 2017 conseguimos atualizar o blog com frequência? #batuquemos